Nossa Senhora dos Prazeres: uma igreja que valia ouro
Pesquisadora diz ter documentos que comprovam que templo foi construído estrategicamente em região aurífera detalhada por engenheiro de Dom Pedro II
Por Wellington Santos - Reportagem e Edição / Adailson Calheiros - Reportagem Fotográfica / Edilson Omena - Reportagem cinematográfica / Bruno Martins - Revisão | Redação Tribuna Hoje
Na terceira e última reportagem sobre a icônica Igreja Nossa Senhora dos Prazeres - templo que fica localizado no Povoado de Barra do Ipanema, entre os municípios de Belo Monte (AL) e Porto da Folha (SE), à beira do Rio São Francisco -, a Tribuna traz o depoimento da pesquisadora Girlene Monteiro, profissional responsável pelo processo de tombamento junto ao Iphan na luta pela preservação dessa Igreja do Século XVII.
A pesquisadora afirma que existe um relatório feito por um engenheiro alemão chamado Henrique Guilherme Fernando Halfeld no documento chamado Atlas e Relatório do Rio São Francisco. Ele foi contratado por D. Pedro II para descrever o Rio São Francisco, légua por légua, desde a primeira queda em Pirapora até a Foz no Oceano Atlântico. De acordo com Girlene, Halfeld descreveu légua por légua, relatando existir ouro bem no morro onde hoje está localizada a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres.
Como a Tribuna revelou na primeira reportagem desta série, há relatos sobre a visita do imperador Dom Pedro II a Alagoas no ano de 1859, fazendo parte de uma grande viagem que ele fez pelas províncias do Norte (atual Nordeste) do Brasil. Essa visita foi bastante significativa e está bem documentada em seu diário e que inclui, como mostrou a Tribuna, o município de Belo Monte, de modo específico o Povoado de Barra de Ipanema, onde está localizada a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres.
Assista o vídeo da reportagem abaixo.

'A légua que ele descreveu aqui da Barra diz que o leito do Rio Ipanema era aurífero, ou seja, tinha ouro. E se sabe que tem umas pedras diferentes, principalmente numa parte desse rio que se chama Poço do Marco' relata à Tribuna a pesquisadora.
Ela diz ter documento feito por Barleos, um holandês que estava documentando no mapa dele e a Ilha do Ouro era na Ilha dos Prazeres (Foto: Arquivo pessoal)
Mineradora teria comprado lotes na região
“Inclusive, outro dia veio uma mineradora e comprou um terreno exatamente nesse ponto, ou seja, tudo indica que realmente tinha ouro. E como a foz do Rio Ipanema é no Morro dos Prazeres, provavelmente vinham rolando as pepitas e paravam no morro. Muito ou pouco, mas tinha. E lá tem um buraco tão grande assim na frente do morro que eu acredito que possa ter sido uma escavação. Na época, eu acredito que eles pegavam ouro, sim, porque está escrito no relatório de Ralfeld que a região era aurífera.
“E na verdade, a Ilha dos Prazeres se chamava Ilha do Ouro. Eu tenho documento provando isso, entendeu? Porque eu fiz uma pesquisa. Fui até o Recife, no Instituto Brennand, olhando os documentos feitos por Barleos, que era um holandês que estava documentando aqui. Então, eu vi um mapa dele e a Ilha do Ouro era na Ilha dos Prazeres”, ratifica a pesquisadora.

“Devido à referência, que era muito forte, vinham pessoas pelo Rio Ipanema e vinham pessoas pelo Rio São Francisco e voltavam porque o Ipanema nasce na Serra dos Ororubais, lá em Pesqueira, Pernambuco. Então, de qualquer maneira, era Pernambuco, e tinha esse movimento, porque uma forma de adentrar a colônia era pelos rios, porque praticamente não tinha estrada”, completa Girlene.
Ela conta que tem um povoado chamado Ilha do Ouro, no lado de Sergipe, no outro lado do Rio São Francisco, porque era um ponto de referência da época e todas as pessoas que adentravam a colônia conheciam a Ilha do Ouro. Como ela passou a se chamar Ilha dos Prazeres depois da construção da igreja, aí eles começaram a chamar a Ilha do Ouro do outro lado do rio, no lado de Sergipe. “Mas a verdadeira Ilha do Ouro está no lado de Alagoas, justamente no Morro dos Prazeres”, confirma a estudiosa.
Girlene mostrou à Tribuna um quadro pintado por ela da Igreja dos Prazeres, onde pode ser vista a Ilha dos Prazeres, que antigamente era a Ilha do Ouro. “Era uma referência tão forte que eu digo que ela funcionava como se fosse um farol. Era uma referência muito forte à Ilha Douro, porque ela controlava praticamente a entrada e saída de quem vinha pelo Rio Ipanema, que nasce em Pesqueira, Pernambuco”, diz.
“Então, era de interesse na época, acredito, dos holandeses, quando eles construíram a igreja ali, mesmo eles sem serem católicos, mas o objetivo deles era atrair pessoas. E para atrair pessoas naquela a igreja era um grande chamariz porque o objetivo deles era o comércio das índias ocidentais.
Opará: o Rio Grande, Rio Mar
Outras histórias dão conta ainda de que o nome da ilha foi mudado para despistar a localização do ouro e que era trazido nos navios e roubado no rio.
“Para entender isso, primeiro você tem que ver um pouquinho da história do Rio, porque o Rio São Francisco era chamado Rio Opará. Era como os índios chamavam o Rio São Francisco, antes do famoso descobrimento. Então, ele era chamado de Opará, que quer dizer, em Tupi-Guarani, Rio Grande, Rio Mar. Depois, na época do ciclo do gado, ele passou a se chamar Rio dos Currais."

Os holandeses construíram a igreja para atrair pessoas para o comércio das Índias Ocidentais.
Samuel, um guardião da fé

Um pouco alheio às histórias de ouro pelas bandas do Povoado do Ipanema, Samuel dos Santos é o zelador da igreja desde os 11 anos. O que significa dizer que dos 41 anos de sua vida, mas de 30 são dedicados a tomar conta da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres.
Humilde, terno e com uma generosidade de sensibilizar a equipe da Tribuna, Samuel ciceroneou a reportagem da chegada à despedida nesta reportagem.

E não fugiu a uma das perguntas básicas e óbvias, justamente por conhecer como ninguém a história da capela de Nossa Senhora dos Prazeres, famosa também por ‘causos’ de assombração, conforme a Tribuna revelou na segunda reportagem desta série: “Você já viu ou ouviu alguma assombração aqui nessa igreja durante todo esse tempo?”... E o zelador não se fez de rogado e respondeu com toda sinceridade:
“Sim, uma vez vi uma figura descendo em direção a uma catacumba aqui da igreja, enquanto eu acendia velas no altar”, respondeu. “Senti um arrepio imenso e a impressão era de que alguém me seguia ao sair da igreja”, completou o zelador.
“Mas depois me acalmei e na verdade eu acho que era um espírito bom, possivelmente triste pelo fato de a festa não ter acontecido na igreja naquele dia, pois era a festa da nossa padroeira e não foi realizada aqui em cima do morro”, justifica Samuel.
Samuel destaca que esse foi o único incidente até hoje, pois sua experiência na igreja tem sido de paz e tranquilidade, com muitos milagres e graças de Nossa Senhora dos Prazeres.
À reportagem, Samuel conta outras histórias curiosas: ele diz que lá funcionava como cemitério e que a porta tem o formato de uma cruz. No interior, um gradeado separa os sepultados em grupos de pecadores, virgens e anjinhos. “Esse gradeado servia para fazer a divisão dos que eram enterrados aqui”, confirma Samuel. “Do gradeado para dentro eram sepultados aqui os anjos e as virgens, porque os anjinhos e as virgens antigamente não tinham pecado carnal e aí podiam ser enterrados perto do altar”, diz Samuel.

Outro cômodo apresentado da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres está no altar onde se encontra a coroa do rei D. Pedro II e o símbolo dos jesuítas. Samuel diz que a construção da igreja se deu porque a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres foi achada por um caçador debaixo de uma pedra. “A capela foi construída em duas etapas: a primeira quando a imagem foi achada e a segunda após o milagre de uma menina que sumiu e foi encontrada na margem do rio”, conta o zelador.
Algumas partes da igreja não são originais, como a ripa e a telha. Outra atração para quem visita é a sala de promessa, e antes de chegar ao local há uma espécie de túmulo. Datado de 1889. “Esse túmulo, o pessoal fala, mas a gente não pode comprovar que pode ser a entrada ou a saída de um túnel, que essas igrejas antigas dizem que têm. Mas realmente só com a arqueologia que vai se descobrir. Ninguém ainda comprovou isso”, finaliza Samuel.


